segunda-feira, 28 de setembro de 2015

0 A vida é boa

É interessante como às vezes percebemos que quanto mais lemos e conhecemos mais cegos e menos entendidos ficamos das coisas simples ao nosso redor, talvez seja um mal da nossa sociedade em que o conhecimento é tão vasto, que é quase impossível aprender um pouco de tudo. Aqui proponho um teorema: a relação conhecimento e entendimento é inversamente proporcional. E no auge dos meus 16 anos onde começo a ler e entender as coisas mais do que fui há 2 ou 3 anos, então cada vez menos eu entendo as coisas simples e evidentes.

Comecemos a história. Um hábito que criei é de sentar em ônibus e quando retiro algum livro para ler e então alguém puxa assunto comigo, dar trela para ver onde chega. A história de hoje foi bem simples e até corriqueira, mas foi uma porrada dadas as circunstâncias de dia de hoje.




Ao ver o livro de matemática que estava abrindo em meu lugar no coletivo, meu colega de viagem logo se aprontou em dizer como gostava de matemática e dos bons tempos de grupo escolar: a tabuada, os colegas, a cartilha e a caligrafia. E mesmo sem ser perguntado contou como depois dos quatro anos de primário, ele evoluiu sua matemática e como sempre acerta por perto o resultado das compras. Diz também que "a professora fazia eu perder o intervalo para passar a lição dos colegas com a minha letra, para depois mostrar o caderno com letra bonita aos outros professores." Ele então logo se apressa em dizer que decidiu relaxar com a caligrafia, que era melhor a algazarra da criançada, as quais ele mesmo já sendo septuagenário, ainda se lembra com detalhes. "A memória não pode perder, né?"

Enquanto o ônibus começa a andar, logo ele conta sobre sua profissão de sapateiro, cuja exerceu por longos 60 anos. Conta sobre como se aposentou, causos sobre vícios, sobre a religião e é claro, sobre a vida. "A vida é boa", disse ele ao menos umas quatro vezes e foi a frase que me martelou sobre a viagem.

O ex-sapateiro então enche a boca para falar sobre suas filhas: uma pedagoga a outra também pedagoga e ainda formada em direito, que lutaram para conseguirem seu diplomas. E aqui está a minha deixa. Falar sobre essas nobres pessoas que com apenas quatro anos de escola e agora com uma caligrafia não tão boa, puderam formar seus filhos.

Faço aqui uma vírgula para dizer que hoje foi realmente um bom dia. Comecei um certo curso e foi aquele dia em que cada um vai a frente e se apresenta ou então apresenta os colegas. Nesta turma se é possível afirmar alguma coisa sobre ela, é que a turma é heterogênea. Nesta turma ouvi também ouvi uma história de uma mãe que mesmo sem formação, formou os filhos, de uma mecânica que tem duas graduações, além de um outro colega sexagenário que conheci (cuja história quem sabe fica para outro dia) me fizeram refletir sobre o pequeno teorema que propus no começo do texto: conhecimento é inversamente proporcional ao entendimento. E voltando para casa em ponderações, eis que me sento do lado do meu bon vivant, que ainda que nunca rico, soube e sabe aproveitar a vida.

ALERTA: A partir daqui se encontram falácias, em especial a falácia da generalização precipitada. Recomenda-se uso de óculos de discernimento nos parágrafos a seguir.

Quem não é economista não pode falar sobre economia, quem não é médico não pode falar sobre as patologias, quem não é filósofo não pode falar sobre as coisas da vida. Preciso tomar cuidado com o paradigma que se não sabe sobre o assunto, só pode falar besteira.

O meu colega do ônibus pode sim falar de economia. Quando ele disse o já desgastado "o povo não sabe o que é crise" logo já pensei nos idos de Sarney e Collor. Que nada, A crise (com a maiúsculo) que ele evocava era 1944, na época de Vargas e da segunda guerra. Pois é, talvez ele saiba pouco sobre a história destes fatos, mas ele sabe muito.

E você não precisa ler filósofo algum para saber o básico da vida: após 60 anos como sapateiro, ter duas filhas formadas, ter morado em 9 cidades diferentes, um salário mínimo de aposentadoria  e ainda conseguido ter sua casinha própria, então rindo enquanto seu motorista te leva de Mercedes para casa, você agradece a Deus: a vida é boa.

Sobre mim, espero não cegar-me para os sapateiros, para o verdadeiro entendimento que essas carregam e que não poucas vezes subjugo.

Ao final tenho uma ideia. Posso melhorar meu teorema resumindo-o: conhecimento gera prepotência.

Sobre o autor:

Matheus, 16 anos. Estudo o ensino médio em Sorocaba.
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