quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

0 Problema: morte


Vamos todos morrer, sempre falamos isto, mas da boca para fora. A verdade é que fingimos que não vamos morrer. Escondemos a morte de todas as maneiras e criamos nossos filhos como se fossem imortais. De certa forma isso é bom, pois jogamos o problema para frente e nos preocupamos depois. Mas no depois é que vem o nosso problema: MORTE.




Em 2007, em uma Bienal em Honduras, existia uma instalação da qual o cachorro da foto fazia parte. Ele foi amarrado, no primeiro dia da exposição, já doente, e foi deixado ali sem assistência, água ou comida; os visitantes reclamavam, pediam a soltura do cachorro, mas o artista Guilhermo "Habucuc" Vargas o manteve: morreu no segundo dia de exposição e depois ficou ali seu corpo. Não entrarei aqui nos motivos que levaram o artista a criar esta instalação, mas você pode clicar aqui para conferir mais. Tomarei a obra dele como minha, e a utilizarei como eu quero. A questão aqui é que o cachorro iria morrer, provavelmente alguns dias depois, de fome e na rua, mas com uma diferença, longe da vista de todos. Se o artista não tivesse o amarrado, você nem ficaria sabendo que ele passava fome e nem que ele morreu, mas como sabe, fica revoltado.

A questão é que a morte incomoda, principalmente quando está perto da gente. Levamos nossos entes para os hospitais, dentro de UTI's, onde nem acompanhante ele tem direito, lá dentro médicos e enfermeiros estendem a vida doele a todo custo, inúmeras injeções e todo o aparato para ganhar talvez uma semana dentro de um hospital sozinho e rodeado de aparelhos, e ele fica lá neste mesmo hospital para que ele morra longe da vista de todos. Uma vez morto, pagamos para que alguém já lave o corpo, e duas horas depois já está lá sendo velado na madrugada, nem passam 24 horas e o corpo já foi enterrado. Algumas pessaos choram, algumas sentem saudade, outros fazem uma oração e outros vão no velório apenas para cumprir com a obrigação (sem falar nos que não gostam de velório e nem vão). E então, depois do velório, vão todos ao cemitério onde já há um buraco previamente cavado, colocam o ente lá, um estranho, em geral, um líder religioso que provavelmente pouco conhecia o falecido fala algumas coisas, e então chegam em casa jogam aquela roupa inteira para lavar - roupa de cemitério - alguns sofrem um pouquinho mais, mas todos seguem suas vidas. Precisamos de morte mais humana, velórios em casa, com boa comida e festa. Crianças que sentadas em volta a cama do quase-morto, escute suas últimas palavras e histórias, gente que não veja como obrigação ir em velórios ou ainda pais que não deixem de levar seus filhos em velórios. Sabia que existem lugares especializados em pacientes terminais, onde eles podem passar seus últimos tempos com sua família, e  morrer humanamente?

Mas aqui temos o grande problema. Crianças cada vez menos conhecem a morte, crescem, e viram adultos que não sabem que vão morrer, e quando se deparam ficam sem saber o que fazer com algo que é tão natural. É mentira dos poetas que dizem que elas encaram com naturalidade a morte, desde que aprendem a falar já estão sendo doutrinadas a evitarem esta palavra que aqui tanto repito. Eu não consigo encará-la com naturalidade, devido aos meus 16 anos de doutrina e acho que você também não consiga.

Todos sabem que o maior desejo do ser  humano é viver para sempre, mas provavelmente nossa geração ainda não conseguirá este feito, então diante da finitude, será que é tão difícil admitirmos que somos finitos? E quando educarmos nossos filhos, o que deveremos fazer para que eles encarem isto com naturalidade? Na hora que nossos entes estiverem no leito de morte será que não será melhor simplesmente trazê-lo para casa para que ele morra perto da família? Será que ver um cachorro que iria morrer de qualquer maneira, mas quando morre na nossa frente ficamos revoltados e pedimos que tiremos ele de lá, para que não morra perto de nós, é tão ruim assim? Espero que eu e o amigo leitor descubramos as respostas para isto em tempo de mudarmos atitudes e vivermos mais plenamente.

P.S: Escrevendo o último parágrafo, me peguei escrevendo descansar no lugar de morrer, numa tentativa clara de eufemismo. Sinal que ainda preciso eufemizar.

 Para encerrar, trago um texto de Rubem Alves.
Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.
Não tenho medo da morte, embora tenha medo do morrer. O morrer pode ser doloroso e humilhante, mas à morte, eis uma pergunta. Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang? Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo.”

Sobre o autor:

Matheus, 16 anos. Estudo o ensino médio em Sorocaba.
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